terça-feira, 11 de agosto de 2015

Solidão povoada de multidões

Tempos de "solidão povoada" já são ideias de um passado moderno quase romântico de um Baudelaire flanando pela cidade nova erguida sobre as ruínas da memória. Transformada em cinema, a modernidade ganhou a velocidade da fotografia em fuga, presente quase passado revirado pela pressa da vida de alcançar-se e pelo "homem na multidão" vagando sozinho a procura de alguém que compartilhe com ele sua solidão. 
Ruptura feita de liberdades, de vanguardas, de tempo convertido em lança. De tecnologia que engendra a lembrança, de engrenagem que embala Carlitos e encanta o horror do Álvaro feito de pessoas.
Conhecer como compulsão convulsiva contemporânea apartada do saber. Saber é luxo num deserto de elétrons, de tempestades, de vontades e desejos virtuais que se dispersam no vórtex em que foram criados. 
Tempo de felicidade compulsória e postiça, de "selfies" que envergonham o mais bobo da mais medieval das cortes, de intimidades tão públicas que o mais depravado dos seres coraria. 
Warhol estava errado, 15 minutos tornaram-se segundos de fama instantânea e estéril. Tempo saturado de Sabrinas, de ex-BBBs (sigla quase sentença de morte), de músicas breves átimos momentâneos feitos de interjeições e preconceitos, enfim, de nada contaminado de tudo.
Estranhamento em rede, amigos tão anônimos quanto distantes se acotovelam para ser mais alguém numa linha do tempo tão fugaz quanto descartável. Parasitas da vaidade alheia, vermes decompondo os escombros das relações humanas. 
Uma nova identidade que se constrói nas nuvens, distante das mãos e da posse definitiva. Longe demais de nós mesmos, perto só do outro.
No imediatismo dos fatos, nasce o factoide fantasiado de fato. Nasce a verdade filha da repetição. Goebbels, Veja sua filha, ela é a verdade literária, parcial e passional por convicção. Fatos construídos de repetição, de insistente ficção que corrompe e pare a foto-montagem sampler de uma tradição, de uma oligarquia, morta de medo de ver, de sentir, de se embebedar com a notícia multifacetada, dissecada e plural que insiste em cuspir sua incerteza na cara do nosso tempo.
Tsunami de excremento, de beleza e de diversidade feito de informação. Combinada, recombinada, parafraseada, parodiada, citada, aludida, por vezes, fruto proibido e cínico do pastiche, local de contravenção conectada. Mixagens aradas em bits. A originalidade do nosso século está na mistura, no amálgama, no fim das fronteiras. Não há mais novidade, esse é o Graal de nosso tempo. A novidade padeceu depois das vanguardas, depois das Grandes Guerras, o novo foi definhando, perdendo o viço. Somos todos adictos procurando mais uma dose que não mais sacia. O século da imagem matou o novo. O original tornou-se um sonho inalcançável, um delírio.
O presente foi entronizado. Tirania feita de agoras. Memórias que cabem na fumaça fugidia do cachimbo, no etéreo mormaço do calor da velocidade, na presença do que não mais está.
O fim do mundo não se aproxima. Os apocalípticos estavam errados. Os sebastianistas esperaram em vão. Não há salvador, não há redenção. Nosso maior pecado não foi afirmar que deus está morto, não foi esperar ou mesmo desejar o fim, nosso pecado capital foi adoecer o tempo, porque hoje tudo é agora.

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