sexta-feira, 29 de julho de 2016

Secas palavras

Tudo era tão seco.
Tão seco.
Tão Graciliano, tão mundo.
Palavras, distrações.
Se poucas, são ações.
Se muitas, distrações.
Falar, escrever muito é não escrever, é não pensar.
É tergiversar, é não dizer, é negar o direito de todos à expressão e ao entendimento.

É a morte da palavra.

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Das brigas

“Quando você tem razão, ninguém se lembra disso; quando está errado, ninguém esquece.” 
(Muhammad Ali)

Nada lembro, eu só apanhava.


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Cozinhando o galo do pop - Volume I

"Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando."
(Walter Lippman)

Estava nesses últimos tempos, como de hábito, ouvindo música, mais precisamente gente como Céu, Criolo, Emicida, Liniker, Lineker, Alice Caimmy, Metá Metá, entre tantos outros... e, entre uma música e outra, pensei quantas vezes ouvi que nada se fazia de bom na música brasileira da década de 1980 em diante. Fico ainda incomodado com essas afirmações porque estão baseadas, como tudo que é enviesado e baseado no nada da desinformação, em ignorância. Para esses saudosistas e anacrônicos, dos quais já fiz quixotescamente parte, faço coro contra, pois vivemos um dos momentos de mais brilho e diversidade que nossa música poderia experimentar.
Penso que a gênese de tudo isso evidentemente está em inspirações antigas, como não poderia deixar de cumprir essa sina de tudo que é novo e radiante, a música brasileira multifacetada e complexa de hoje olhou para trás, para os clássicos, para os mestres, os bambas, enfim, reverenciou a tradição, mas como o símbolo da parabólica fincada na lama do movimento recifense manguebeat ensinava, ou seja, dar ouvidos ao passado e ao que é brasileiro sem ignorar às referências do que é estrangeiro ou contemporâneo. Eis aí dois grandes pilares dessa música brasileira ainda tão pouco valorizada pelos próprios brasileiros: a mistura, o amálgama do velho com o novo, do regional com o global, do acústico com o eletrificado, do orgânico com o eletrônico, da tradição com a ruptura; em paralelo a isso, as facilidades de produção, mixagem, acesso à cultura em função de certa democratização do acesso à informação no Brasil, o que produzir uma música multifacetada e produtiva, ainda que relativamente fora do radar da mídia tradicional e dos canais tradicionais de difusão e audição de música brasileira.  
Essa viuvez devotada a Chico, Caetano, Elis, Gil, Gal, Milton, Tim, Tom, Vinícius, Cartola, Clara... tem razão de ser, são gênios, incontestáveis até para os que não os ouvem. Entretanto, parece que, para ainda muitas pessoas não há espaço em seus ouvidos para outros sons e outras experiências inspiradas, mesmo que contemporâneas a esses “objetos de culto”, tais como: Ave Sangria, O Terço, Clube da Esquina, Ednardo, Moacir Santos, Flora Purim, A Barca do Sol, entre – graças aos céus – milhares de outros com os quais o texto é injusto em não citar. Em função até mesmo dessas “injustiças”, imagine quando Monbojó, Mariana Aydar, Marina de La Riva, Porcas Borboletas, Macaco Bong, Vanguart, Tita Lima, Ellen Oléria, etc., irão realmente ter uma “chance”.
Nessa música brasileira do século XXI, muito do que havia de pré-concebido quanto ao negócio da música desfacelou-se, além disso os inúmeros pólos produtores de música pop bacana e de bom gosto (o que é relativo e polêmico...felizmente.) foram a solavancos, com muitas dificuldades e rupturas, finalmente reconhecidos. Outra questão importante é que o famoso e tão cantado eixo Rio-São Paulo perdeu algum brilho, soma-se a isso, além de todas essas convulsivas e inesperadas mudanças, o barateamento e o posterior acesso de cada vez mais pessoas a computadores e tecnologias capazes de executar, gravar, editar, distribuir arquivos de música o que fez com que todo o mercado de música mundial fosse repensado, inclusive o brasileiro.
É desse vórtice que surge e é nele que se desenvolve a música brasileira atual, que merece urgentemente ter mais ouvidos atentos ao vento novo que brota desses novos tempos, desses novos lugares e dessas pessoas, que - como sempre foi - é monte de gente querendo um monte de coisas, mas especialmente fazer música nova para renovar a vida e o outro.

Estéfani Matins, ouvindo Paulinho Moska, "Me chama de chão".

Cozinhando o galo do pop - Volume II

“Pilotem suas próprias cabeças.” 
(Jorge Du Peixe)

De difícil definição, muitos diriam; trabalho árduo, para outros. Praga inominável, para os mais radicais ou sensatos. O pop é a princípio um desdobramento de uma cultura associada à ideia de que a arte serve mais ao entretenimento e à socialização do indivíduo do que ao desenvolvimento de sensibilidades e raciocínios estéticos, culturais e intelectuais. Eis a vala comum em que todos nós estamos metidos de alguma forma, mesmo que, inocentemente, imaginemos estar acima disso.
Isso ocorre muito em razão de que, de alguma forma, precisamos nos socializar e, para tanto, fazemos concessões em reuniões públicas, por exemplo, impulsionados pela conveniência de não parecer diferente, ou seja, de parecer quanto mais comum e integrado for possível, sem que sejamos necessariamente confundidos com o povo de verdade, com a periferia, com os excluídos, com os malditos; isso seria inaceitável, porque mesmo o politicamente correto tem limite, isto é, a aparência. Sentimento incômodo, até hipócrita, mas honesto nas suas intenções, que são, resumo da ópera, fingir. O pop faz isso com todos em alguma medida, até porque nem sempre se pode dizer que o pop vulgariza ou mesmo populariza a arte, ou ainda mais, que a arte chamada pop nunca tem qualidade.
O maior fenômeno pop que se tem notícia provou que as convenções e conceitos pouco dialéticos não são nada para avaliar fenômenos culturais, que são em essência, transitórios; os Beatles, eu não poderia ser mais previsível, mas os fab four são um simulacro do que chamamos de pop, são o paradoxo máximo da indústria cultural do século XX; inspirados e populares, requintados e econômicos, inovadores e tradicionais, são os deuses primeiros e originais do pop.
Quando a ideia do que é ou não pop vem à tona em alguma discussão de botequim, são muitos os fãs de bandas, artistas, pintores que se indignam ao ver os seus ídolos serem reduzidos a essa "rastejante categoria de humanoides produtores da chamada cultura pop". Para muitos, soa como ofensa, inclusive por causa da ideia reducionista e tacanha de que, se uma manifestação artística torna-se popular, devemos logo desconfiar da qualidade, da legitimidade e da honestidade dela. Há aqueles ainda que afirmam gostar de algo, porque poucos gostam, essa é uma praga que toma parte daquela tribo urbana intitulada de indie, por exemplo, que parece eleger suas preferências pela ótica não da apreciação estética, mas pelo culto acéfalo ao que de certa forma sofreu um revés de popularidade num passado remotamente próximo foram os Strokes, por causa do sucesso alcançado graças à MTV, os garotos cuidadosamente descabelados de ar blasé foram duramente golpeados por seus “fãs”, que logo debandaram para novidades mais "virgens" e hypes, como o Artic Monkeys.
Noutro ponto da discussão, estão expressões como o axé baiano de “Batom na Cueca” até “Daniela Mercury”; a música “sertaneja” urbana de “Zezé di Camargo e Luciano” a “Jorge e Mateus”, o pagode de “Só pra contrariar” a “Thiaguinho”; as quais se enquadram no que se pode talvez chamar de música para consumo ou uma vertente ou viés do que se pode chamar de pop, são, não raro, os segmentos da indústria cultural que mais sofrem com a pirataria, já que, na condição de fenômenos passageiros, à custa de sucessos moldados pelas FMs e pela televisão fechada, são obrigados a produzirem em escala fabril sucessos para um público ávido por novidades, tão passageiras ou mais que as modas que vem e vão de acordo com as estações do ano. Eis a equação que movia o mercado informal de CDs ou downloads, somada, é claro, à carência crônica de recursos da maior parte da população brasileira, ou seja, música que é para ser passageira não merece, segundo a inteligência sempre prática daqueles que pouco dinheiro têm, embalagem e material de qualidade, ou mesmo excelência técnica na reprodução das músicas dos grandes ídolos populares, já que o importante mesmo são os refrões fáceis, a melodia para assobiar e a temática homogenizante.
Além do mais, os aparelhos de som comprados nas Casas Bahia ou nos nossos irmãos do Mercosul não t^êm geralmente qualidade sonora o bastante para reproduzir o esmero dos produtores pobremente materializado nos CDs ainda vendidos nas principais ruas e avenidas da maioria das cidades do país, se não todas(coisa do passado) ou as MP3s baixadas legal ou ilegalmente aos bilhões por intermédio da internet.  Essa é uma faceta inequívoca, frequentemente ilegal, mas não imoral, da democratização da informação, tão prometida pelos ideólogos do Iluminismo, depois do Cientificismo, e agora realizada por meios ilegais, até criminosos, entretanto fiéis, porque não devotados, às mais altas intenções daqueles que defendem a democratização radical de informações para a massa, mesmo que, como querem muitos, de baixa extração artística, repetitiva e despretensiosa.
Além de tudo isso, há a ressaca de uma elite com uma dificuldade crescente de ditar o que os mais humildes podem ou não acessar, aliás, agora se vendo reprodutora das referências pop da periferia, como são os casos do Rap, nos EUA; do Funk Carioca e do Pop Sertanejo e, por que não, no passado, do Samba no Brasil. Eis um paradoxo quase poético da humanidade, a carência fez uma escola que o excesso copiou.
A música pop, portanto, é - antes das teorizações da academia ou de cronistas em posições confortáveis - múltipla, paradoxal e opressivamente popular, o que, em última instância, para além dos puristas, expressão legítima de tudo o que a população de um dado país tem de multifacetada, sofrível, previsível, bela e subversiva.

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Anotações do subsolo (primeiro ato)

"Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E, se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você."
(Friedrich Nietzsche, 1844-1900 - filósofo alemão)

O corpo a cada dia me parece casa mais frágil, a mente, abismo desconhecido. Quantas vezes traí a mim mesmo, quantas promessas soltas no vazio da minha vontade. Nesse anos passados e próximos, sofri como um gato negro que espalha maldades imaginárias na rua. Bem menos brilhante do que imaginava, sou mais Cassius do que Muhammad. Sou mais vazio do que cerne. Sou mais água do que vinho. Apesar da fraude que me constituo, vou tentar pela última vez fazer da rotina a mulher que a gente deseja com medo que nos mate. Mas matar o que num escritor eternamente de férias, no profissional dominado pelo improviso sistêmico dentro da máquina.
Quem fui, projeto; quem sou, procrastinação e dúvida.
Um rosto vago e inespecífico numa multidão de olhos atentos. A prosperidade que aparento é fortemente influenciada pela mesma superficialidade que sustenta a visão rasteira daqueles dominados pela imposição de uma cultura que faz da diferença uma vilania e da regra, uma devoção. 

Olho para o passado de tantos pequenos fracassos diários e me pergunto o que domino da minha própria vida se não me calar quando quero, se não termino o que comecei, se me superestimo mais do que um crente o seu deus. 
Quem sou eu nesse emaranhado de gentes que habitam em mim,  nessa multidão de estranhos que me consomem com todas as suas vontades prevalentes e urgentes.  
Sou filho da urgência do consumo, preso às vitrines, enjaulado entre magazines que vendem mais do que a alma pode comprar. Sou um corpo que putrefaz a si mesmo com a atenção máxima do seu usuário.  Sou consciente da minha ruína, servo da ideia de que tudo sempre esteve ao meu alcance. Havendo deuses, eles foram muito generosos comigo, deram-me a potência das idéias, em meio ao caos da fraqueza para realizá-las a contento.  
É massacrante ver-se um projeto pretensamente grandioso realizado num papel qualquer. É triste ver-se nu como me vejo hoje, preso a minhas múltiplas e muitas urgências.  Controlado por minhas incertezas.  Destilando auto-ajuda barata em forma de bote de náufrago. Para quê? Pergunto-me diariamente. O que vim fazer por aqui. Quem sou eu? Direcionada a mim mesmo, sem nenhuma originalidade, sem poesia ou literatura, essa é a pergunta mais definidora das minhas incertezas.  Quem sou eu? Por que vacilo? De qual personagem que criei é meu passado?  No final das contas, continuo sendo o garoto do bairro operário? Que continua sem saber o que lhe dá prazer, o que lhe move. 
Sou carcereiro de mim mesmo, eu soltei sem remorso meus próprios demônios para que eles pudessem ir à catequese. Desprezo tudo de bom que eles podem fazer por mim.  Sobressalto-me ao saber do que são capazes, sou vítima da escassez da qual eles se aproveitam para impor-se sobre a pessoa que gosto de pensar que sou. Escrever é terápico dizem muitos. Dizem inclusive que há muitos salvos por esse exercício doloroso que é a escrita. 
A escrita é para mim a maior das vaidades. Nela lanço minhas principais esperanças de que eu não seja apenas aquilo que o ano passado moldou. A escrita não me liberta, não me define, ela apenas parece hoje uma necessidade primordial. Uma última esperança de náufrago cercado de recém-conhecidos num transatlântico.

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Eu sou Cortiço

Eu sou Brasis
Eu sou movimento e indignação
Eu sou repulsa e capital
Eu sou a comodidade besta que imobiliza
Eu sou a dinâmica do barulho
Eu sou animal discretamente indigesto
Eu sou o movimento da estagnação
Eu sou o mundo sensorial das latrinas e do sabão barato
Eu sou um trópico decadente e voluptuoso
Eu sou alegria descrente e triste
Eu sou muitos e muito
Eu sou paradoxo
Eu sou Cortiço.

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Da série - Contos máximos para uma vida mínima - Promessas

Promessas. Quem não as fez com a certeza de quem não as cumpriria? Ela. Prometeu que jamais faria promessas. Prometeu que seria sempre a mesma sem combinar comigo, mais, com o tempo. Ela prometeu de todo coração que seríamos casal, para sempre. Num dia desses, tão comum quanto banal. Numa terça, um pouco antes do almoço, no dia que havíamos combinado de almoçar juntos sempre, para além de nossas obrigações, sem crianças, sem parentes, apenas nós, em algum lugar. Já fazia meses que cumpríamos rigorosamente essa promessa. Então, em pé, sem sentar-se, disse as últimas palavras como minha esposa. Nem nas terças somos casal. Tenho almoçado sozinha desde quando prometemos comer juntos. Eu, então, algo aliviado, prometi nunca mais acreditar nas promessas dos outros enquanto não cumprir as minhas.

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Da série - Contos máximos para uma vida mínima - Um casmurro num samba

Num samba desses que fui quando era mais livre e mais esbelto, percebi que uma mulher entre tantas me olhava. Entre os batuques, meu coração disparava. O dela, daqui, parecia calmo como um tufão que espera para destruir algo. Ela me convida para dançar, ela, ela, sempre ela. Não há nada para mim. Há só ela e mais nada. Sou um figurante. Nada mais. No palco da vida, como sempre, estava num canto-coxia-esconderijo, solitário, mais do que isso, isolado. Eu, casmurro e sozinho. Ela, plena e livre, começou - ainda bem - a olhar para outro.

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Da série - Contos máximos para uma vida mínima - Há marte

Eram dois amantes que se odiavam como tantos outros. Até aí, normal, tudo normal, tudo tolerável como todos os paradoxos humanos devem ser. Num dia desses, entre madrugadas conturbadas por xingamentos e beijos reconciliadores e tensos, finalmente ela disse, amar-te é necessário, mas é preciso que eu me odeie um pouco para isso. Ele, na sua infinita incompatibilidade, entendeu torto a declaração torta. Entendeu mal o início, entendeu como um desesperado, não ouviu o fim, cego estava de amor por ela e de incapacidade com essa língua torta. Entendeu que havia Marte, entendeu, ainda que confuso, que era um fim, um convite para uma viagem sem volta. Mais uma metáfora daquela mulher estudada que falava difícil. Partiu sem falar mais uma palavra ao menos. Ela, não entendeu nada.

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