quarta-feira, 26 de julho de 2017

Abismo


Monte de nada ao inverso
Coisa ampla na sua finitude
Salto de paraquedas ao reverso
Segurança do inseguro, do hesitante, do tépido
Trapézio fantasiado de triângulo
Círculo que não protege
Absinto sem culpa
Vertigem e tontura num mesmo salto.

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quarta-feira, 5 de julho de 2017

Sobre a matéria do tempo

Ontem, tarde ainda era cedo.
É denotativo o verso acima,
o tempo que é conotativo.
Tempo é poesia.

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segunda-feira, 3 de julho de 2017

II - Num mundo de imposições, peço

_Posso ficar sentado quando for imprescindível estar em pé? Não é por desdém ou algo assim, é que estar em pé me causa náuseas, porque estive de joelhos uma vida inteira. 
_Estar sentado é a primeira etapa da minha recuperação. - respondeu o professor.

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I - Num mundo de imposições, peço


_ Um café, por favor, sem açúcar e com afeto.

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Todo caos


Todo caos é o avesso de todo cais.
É um abraço fraterno e amável de satanás.
É ilha cercada de ilhas e distâncias.
É porto sem navio, sem rio e sem mar.
É toureiro sem brio.
É a medida do que não traz
nem frio, nem calor, nem nada mais.
É confusão, é desilusão previsível e inexorável.
É estar passado no presente.
É nadar num loop eterno e estático.
É colossal como um vácuo de vazios
num caos feito de luzes e silêncios e letras e mensagens entre dois amores separados pelos seus telefones.

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Dia desses

“A loucura (...), objeto de meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.” 
(Simão Bacamarte, “O Alienista”, Machado de Assis)

Ainda faço uma loucura
e fico normal.

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Sobre a necessidade de poesia nos trópicos - Opus tropicalis II

“O ato de entender é vida.”
(Aristóteles)

Em tempos denotativos, poesia é sustento
para o que não tem preço, nem custo
Em tempos sombrios, poesia é trópico
quente e fraterno esperando o encontro e o beijo
Em tempos prosaicos, poesia é o extraordinário
vento que leva adiante asas de homens feitos de concreto, dor e medo.

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domingo, 2 de julho de 2017

Sobre a necessidade de poesia nos trópicos - Opus tropicalis I


Poesia é tão necessária quanto o alimento
Quanto o pão para o homem
Quanto a farinha para o pão
Quanto o trigo para a farinha
Quanto a semente para o trigo
Quanto a natureza para a semente
Quanto o homem para a vida quantificada

Quanto?

Quanto pão.

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Poeminha de domingo


Ontem
Já era tarde
Alarde
A segunda amanheceu.

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domingo, 18 de junho de 2017

O que você quiser que seja

Ontem, planejamento.
Hoje, experimento.
Amanhã, lamento.

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Em tempo?

A essa altura
O sonho já aterrissou
O poema emudeceu
O verso não decolou
A vida empobreceu.

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Tempo de poesia

Em tempos tão desprovidos de poesia,
ela, senhora do inverossímil e do sonho, é crucial 
como o dia para quem só noite tem,
como tempero para ter fascínio por alguém,
como aroma para beber bem,
como beijo para viver o corpo de outrem,
como saudade para embalar um trem,
como destino para saber de onde a saudade provém. 

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Um poema


É força para os desgraçados
É forca para os desabusados
É refúgio para os desregrados 
É norte para os desorientados
É sorte para os desafortunados
É boia para os desesperançados
É tudo para os desprovidos
É pouco para os desabalados
É nada para os desapegados
É ordem para os descabelados
É morte para os desalmados
É caos para os destemperados
É poesia e amor 
para toda ordem, 
tipo,
malta,
súcia,
classe,
feitio,
espécie, 
laia, 
horda,
tertúlia de desafinados.

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domingo, 11 de junho de 2017

Dia dos namorados

“A tristeza me recobre
E mando a cerveja goela abaixo
Peço uma bebida forte
Rápido
Para adquirir a garra e o amor de
Continuar!” 
(Charles Bukowski)

Era uma vez, um tempo em que inventaram um dia para celebrar o amor por meio de presentes. Os comerciantes amaram desde o primeiro momento o invento. Os donos de restaurantes regozijaram-se em êxtase feito de amor. Os motéis abriram os seus corações para o amor como um Taj Mahal rodoviário. As lojas de perfume jorravam cataratas de fragrâncias feitas de um amor inebriante... Já passava das 20h, ele esperava ansioso pela namorada dentro do carro que não respondia à mensagem enviada pelo celular. Dez minutos depois, o pai da namorada sai com a serenidade daqueles que dão por certo o cadafalso. O rosto na janela parecia distante. Sabe, não sei como dizer isso, mas minha filha não quer mais namorar você. Mas logo hoje, onde consigo uma namorada hora dessas? Silêncio consternado. Som de motor já vai longe e apressado. Não há tempo a perder.

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segunda-feira, 15 de maio de 2017

Sonho

Sonhava tanto e tão insistentemente com o seu velório, que, quando morreu, pensou que era um sonho.

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domingo, 23 de abril de 2017

Nada

No nada
Tudo encontramos
Menos 
Os fiapos do tecido velho e corriqueiro de que somos feitos.

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sábado, 22 de abril de 2017

Guerra

Guerra mesmo é quando a paz
torna-se uma utopia voraz.

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Com o passar dos anos


Quando a velhice em mim chegar
Quero ser o que sonhei na juventude
Sonhando o que serei na juventude que virá.

E o que sou hoje lá não serei mais
Enquanto estarei deixando de ser
Aquilo que deixei e que fui, atrás.

Dos meus amores, quero as cartas
E as doces lembranças dos beijos
E dos pecados que não vivemos.

Quando a velhice chegar, não quero sofrer
Pelos amores que não vivi por covardia
Ou pêlos que tive quando não os queria.

Ah, quando a velhice chegar
Quero dizer aos meus amigos:
- Fomos mais do que pensávamos.

E se não formos ainda assim direi:
- Sonhamos muito mais que fomos
E vivemos muito mais, porque sonhamos.

Serei doce pelas palavras e lembranças
Forte pelas duras batalhas vencidas
E ditoso pela bem cumprida jornada.

E ainda assim se eu nada dizer, ao morrer
E nada mais de mim restar quero apenas que

Digam que eu era alguém que sonhava.

(Lígia Prado - amiga, mestra e referência para a vida toda. Lígia é uma das pessoas mais importantes na minha existência. Suas palavras, seus versos, suas ironias, sua generosidade e suas inconfudíveis risadas ecoam em mim - sempre e intensamente.)

Um dia

Um dia
Um dia desses
Um dia futuro
Arrumo coragem
Reúno tudo que tenho e que tive
De coragem e ousadia
Se for preciso, roubo, compro, peço emprestado para não mais devolver.

Um dia 
Um dia daqueles
Um dia quente
Faço o impensável
Não serei compreendido nem pelos mais próximos
Serei um pária na multidão
Serei tão invisível ou mais do que a moça da limpeza

Que moça?

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Vingança

Como um grito revolucionário, dia desses, ainda explodo de raiva e coloco o disco "A love supreme" do Coltrane para meus vizinhos ouvirem no mais alto e bom som em todos os aparelhos de som que existirem na minha casa. Causará revolta o meu ato terrorista-cultural, mas isso não é nada comparado ao tormento feito de onomatopeias, melodias cansadas e clichês que eles me obrigam a ouvir. Dia desses...me vingo. Certeza suprema.

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Revés

Era uma festa a vida daquele homem meio oblíquo, meio líquido. Festa era a ocasião em que ele fazia-se homem entre desumanidades, entre paradoxos. Até que veio aquele revés, até que veio aquele mal menor, aquela corrosão, aquela erosão tímida e rouca a que Leminski chamava poética e apropriadamente de mentir verdades.

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Ontem

Não lembro de nada
Nada mesmo
Tudo que vivi ontem ficou
Oco
Ontem
Onde?

Sem gostos
Sem rostos
Sem outros

Naquela manhã hermética
Parecia
Haver um dia em que lembranças são cenários de um circo mambembe
Desmontáveis
Incineráveis
451 é um número que me vinha sempre a mente naquele manhã
Três números, três indagações, três rastros para nenhuma ocasião

Fora de casa
Pensei que um passeio numa manhã de fim de semana
Começo de outro nada
Seria bom, seria memorável
Mas enre minhas altas baixas filosofias
Meu existencialismo de padaria
Constatei, estupefato
Iluminado pelo sol meio besta, meio manso da manhã
Que ontem tinha ido dormir muito cedo
Antes do Jornal que já não mais assistia
Tinha sido uma semana daquelas.

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segunda-feira, 27 de março de 2017

Jazz

Dia de sombras mansas e de descanso. Jazz nos fones enquanto trabalho. Déjà-vu, paramnésia? Não, revivência. Mingus soava demônio em dia de paz. A paz do jazz é feita de homens zangados. A minha zanga enfim mina um mundo, ou aquilo que ele deveria ser e não se tornou. Enfim, mais um dia de ritmados cataclismos.

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Da série polônica: "Não dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo."

"Palavra é prata, silêncio é ouro." 
(Provérbio árabe)

Pensei em dizer, mas não disse. Disse que faria, mas não fiz. Passei a vida ensaiando mentiras que não contei, eis minha maior obra. Mentir que menti.

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