domingo, 27 de maio de 2018

Santo que não cola

"Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada

Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada"
(Milton Nascimento, "Fé cega, faca amolada")

Dia desses, um santo 
Quebrou
Por dentro

Foi triste
Porque não há como colar 
aquilo que se rompe do interior profundo e insondável de suas próprias entranhas. 

VS

Levanta

"O artista é a antena da raça." (Ezra Pound)
Esse aforismo foi a frase que mais ouvi vinda da mente visceral e tortamente literária de meu amigo irmão Bruno Curcino, um eterno e rabugento humanista, a quem dedico este poema e busco inspiração para acordar amanhã e levantar esperançoso, ativo e forte.

Ontem é mais hoje do que imaginamos
Mais humanos? Quanta raiva reciclamos?
O que parecia muito é cobertor infantil no corpo adulto e cativo do frio
O mundo é mesmo um moinho como dizia o mestre que entendia que cada um precisa se encontrar
Estamos perdidos com um saco de bússolas nas nossas costas cansadas
É fato, mais do que gostaria de admitir no meu humanismo tonto e frouxo
O mundo dá voltas e passa pelos mesmos lugares, sobretudo, os sombrios
É um rio que forma um círculo feito de nós
Faz parecer finito e acabado o tudo, mas nessa hora
A poesia salva, a poesia cura, a arte levanta.

VS

domingo, 15 de abril de 2018

Época de guerra

Na guerra 
só há honra
quando não há guerra.

Na guerra
só há silêncio
quando não há dor.

Na guerra
só há céu
quando não há fogo brilhando nele.

Na guerra
só há beleza
quando ela não começa.

Na guerra
só há paz
quando se pacifica a
humanidade
que há nos homens.

VS

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sozinho

Sou ponto final sem frase para dar cabo
Sou navio de museu com sede de mar
Sou disco sem agulha para me fazer falar
Sou bússola procurando um ermo impossível
Sou risco sem medo para me assombrar
Sou verso sem beleza para cantar.

VS

Dois

Para Camila.

Mais do que um
Mais do que só
Mais do que apenas
Mais do que ontem
Mais do que somente

Eram dois
Eram muitos dentro da casca
Eram ermos
Eram atropelos
Eram críveis

Juntos, eram um
Juntos, eram únicos
Juntos, eram todos
Juntos, eram irremediavelmente mais do que sonhariam quando estavam sós, eram nós, eram laços, eram desembaraços, eram aço.

VS 

Resistência

Na guerra, perdoar.
No amor, ignorar.
Na dor, dividir.
Na alegria, somar.
Na doença, esperar.
Na pobreza, partilhar.
No silêncio, cantar.
Na solidão, deixar.
Na opressão, pensar.
Na ditadura, agrupar.

No final, gargalhar.

VS

Pedagogia

Numa tarde de sábado dessas meio tépidas, trabalhava nas aulas da próxima semana, enquanto minha filha menor brincava de ser professora no mesmo cômodo em que eu estava. Ela era professora das suas muitas bonecas, todas silenciosas e aparentemente calmas enquanto a professora severa como poucas repreendia as bonecas sobre estarem em pé na sala, sobre quererem ir ao banheiro, sobre conversarem... Quando sugeri a ela que seria melhor tratar do assunto da aula, que, assim, os alunos poderiam sentir-se interessados e deixariam naturalmente de lado os comportamentos que ela não achava adequados. Foi quando ela respondeu que já estava dando aula. 

Um buraco surgiu no centro fundo dentro do peito do professor.

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