quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Manifestos Manguebit

Manifestos Manguebit

Na lama mais suja

No caos mais enlouquecedor

São nessas horas

Em que parece não ter nada para fazer

Que surgem as melhores idéias

Onde cabeças se unem

Em torno de um ideal...

Um conceito...

O mangue

O bit

Recife de parabéns

Os mangueboys formados

A música

Tambores, guitarras

Mestre Salú, Jimmi Hendrix

Jackson do Pandeiro, Sid Vicious

Maracatu, Rock'N'Roll

Samba, Punk Rock

Os extremos se atraem

Só não via quem usava viseiras de burro

Zero Quatro, Chico Science

Inflamaram idéias perturbadoras

Que abalaram todo o Universo Pop Brasileiro

Ninguém entendeu nada

Não perceberam

Mas vencemos

E ninguém vai esquecer isso

Aqui estão os manifestos que estabeleceram uma nova visão de música e atitude,o primeiro saiu no cd "Da lama ao Caos" de Chico Science & Nação Zumbi e o segundo,após a maior perda do movimento, a morte de Chico.

Ambos escritos por Zero Quatro, jornalista, punk, sambista, furia e ordem, anarquia. Palavras para pensar e agir. Salve Zero Quatro Salve.
Salve o Mundo Livre. Salve a música. Renato L.

Manifesto do Mangue I

CARANGUEIJOS COM CÉREBRO

MANGUE - O Conceito

Estuário. Parte terminal de um rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.

Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.

Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas de casa, para os cientistas os mangues são tidos como os símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

MANGUETOWN - A Cidade

A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade "maurícia" passou a crescer desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.

Em contra partida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de "progresso", que elevou a cidade ao posto de "metrópole" do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos "ventos" da história para qe os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos a síndrome da estagnação aliada à permanência do mito de "metrópole", só tem levado ao agravamento acelerado do quadro e miséria e caos urbano.

O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais da metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.

MANGUE - A Cena

Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico pra saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruir as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paraliza os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas vais do Recife.

Em meados de 91 começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo é um "circuito energético", capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.

Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em quadrinhos, tv interativa, anti-psiquiatria, Bezerra da Silva, Hip Hop, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência.

Fonte: encarte do primeiro disco da banda recifense Chico Science & Nação Zumbi, intitulado “Da lama ao caos”

Fred Zero Quatro

Manifesto do Mangue II

QUANTO VALE UMA VIDA.

I - LONGA VIDA AO GROOVE!

Os alquimistas estão chorando. A indignação ruidosa de Lúcio Maia com a ferocidade carniceira da imprensa nos faz lembrar que nem tudo tem que ser movido a cinismo e oportunismo no - cada vez mais - cínico e vulgar circuito pop.

Antes de mais nada, salve Lúcio, Jorge, Dengue, Gilmar, Toca, Gira e Pupilo. Salve Paulo André e longa vida ao Nação Zumbi, com seu groove imbatível, mix epidêmico e urgente de química e magia que cedo ou tarde vai varrer o mundo! A primeira vez que vimos Chico juntando a Loustal com o Lamento Negro (o embrião do que seria a Nação Zumbi, ainda no início de 91), comentamos arrepiados, eu e Renato L.:"não importa que estejamos no fim do mundo e sem dinheiro no bolso; não tem errada, não há nada no mundo que possa deter esse som!" Na nossa ficha, constava a produção de vários programas de Rock na cidade, onde nos esforçávamos para mostrar sons novos e interessantes de todos os cantos do mundo. E não havia dúvida de que naquele momento estávamos diante de algo absurdamente novo e irresistível. Começamos imediatamente a viajar num conceito capaz de colocar o Recife no mapa. É claro que houve momentos nos últimos anos em que chegamos a pensar que talvez tivéssemos ajudado a criar uma espécie de monstro incontrolável. Mas hoje sabemos que agimos bem, não poderíamos agir de outro modo.

- E agora, mangueboys?

Chico era referência e inspiração para muita gente, talvez para toda uma geração de recifenses. E a perda para a Nação Zumbi é irreparável em termos de carisma, energia vocal, gestual, etc. Ninguém questiona isso. Mas o que muita gente esquece é que a fórmula criada por Chico tinha uma base muito sólida em termos de cozinha, acompanhamento, groove. A maioria das pessoas desconhece alguns fatos. Quando eu conheci Francisco França, ele era o lado mais extrovertido da mais nova dupla do barulho da cidade. Chico e Jorge eram inseparáveis como unha e carne, egressos da "Legião Hip Hop", que reunia no final dos anos 80, alguns dos melhores dançarinos e djs que o Recife já conheceu ( alguém aí já viu Jorge Du Peixe dançando "street"? A galera que hoje em dia ensina funk nas academias de dança não daria nem pro caldo...).

Jorge sempre foi um pouco mais tímido, mas não menos engraçado, e os dois se completavam em termos de gosto, idéias, visão e criatividade. Chico sempre teve mais iniciativa e era, como todos sabemos, um letrista formidável. Mas alguém aí se lembra quem é o autor da letra do clássico "Maracatu de Tiro Certeiro"? Isso mesmo, Jorge Du Peixe...

Quanto a Lúcio Maia, qualquer um que acompanhe a Guitar Player, sabe que é cada vez maior o número de pessoas que o consideram um dos mais talentosos e ecléticos guitarristas brasileiros, uma verdadeira revelação dos últimos tempos. Dengue, então, é aquele baixista contido, discreto, mas super-eficiente. Desde os tempos do Loustal, ele sempre conseguiu encaixar a levada perfeita para o estilo fragmentado dos versos de Chico. E quanto aos tambores e à bateria, nem é preciso comentar. Não se via, no rock and roll, uma engrenagem tão potente e envenenada desde a morte de John Bonham.

Quando toda a crítica brasileira caiu de quatro sob o impacto avassalador do "Da Lama ao Caos", houve no Recife quem apostasse que Chico despontaria em carreira solo já no segundo disco. Argumentavam que, por um lado Chico tinha luz própria de sobra e por outro a fórmula do Nação Zumbi não renderia mais nada interessante, pois já teria se esgotado. Eu e Renato torcemos para que acontecesse o contrário, para que Chico não se rendesse à vaidade pessoal e injetasse todo gás possível no fortalecimento da banda. Ele não decepcionou, mostrou que não era nem um pouco ingênuo ou deslumbrado e que sabia muito bem do que precisava para se manter no topo. O resultado foi o brilhante "Afrociberdelia", um trabalho coletivo - com Lúcio mais ativo do que nunca do que nunca na produção.

Portanto, se existe uma banda que tem total autoridade e potencial para ocupar condignamente o lugar que o inesquecível Chico Science deixou vago no topo, essa banda é sem dúvida a Nação Zumbi. Por sinal, o próprio Chico nem cogitava em dar por esgotado o formato da banda, tanto que já planejava entrar com os brothers no estúdio ainda este ano para gravar o terceiro disco. LONGA VIDA AO GROOVE!!!

II- BUSCANDO RESPOSTAS

"Something is happening here, but you don´t know what it is. Do you, Mr Jones?" Essa frase de Bob Dylan me vem à mente sempre que eu penso no tom de alguns comentários publicados nos maiores jornais do país a respeito da morte de Chico. Talvez com intenção de pintar o fato com as cores mais chocantes, expurgando, assim, a dor e a revolta da perda, as matérias acabavam invariavelmente emitindo um tom derrotista ou até desolador.

Se o caso é especular sobre o que pode acontecer daqui em diante, o mais oportuno seria tentar identificar na história do Pop, fatos ou situações semelhantes que possam servir de exemplos. Em se tratando de movimentos de cultura Pop; gerados em focos isolados; situados na periferia do mercado; e com reconhecimento mundial, os fenômenos mais correlatos ao Mangue Beat que se tem notícia - ainda que os estágios de desenvolvimentos sejam distintos - são a Jamaica pós-Bob Marley e Salvador pós-Tropicalismo.

Sobre Salvador, minha experiência como mangueboy me diz que o Tropicalismo não surgiu lá por acaso. Nada no mundo poderia ter impedido o caldo cultural da cidade de gerar posteriormente ( e na seqüência ) os Novos Baianos, A Cor do Som, os trios elétricos, a Axé Music, o Samba-reggae, a Timbalada, etc. Também não foi por milagre que a Jamaica se tornou berço do Calipso, do Ska, do Reggae, do Dub, do Raggamuffin e de todas as variantes do Dancehall que hoje, quase 20 anos depois da morte de Marley, contaminam as paradas de sucesso de todo o mundo.

Esses dois fenômenos foram condicionados por combinações específicas de fatores geográficos, econômicos, políticos, sociológicos, antropológicos, enfim, culturais, cuja história eu não seria capaz de analisar. Mas em se tratando de focos isolados que a partir de um determinado estímulo geram uma reação em cadeia capaz de contaminar toda a história futura de uma comunidade, meu depoimento talvez possa ser útil.

III- UMA VISITA MUITO ESPECIAL

Lembro-me muito bem do nervosismo que tomou conta da cidade quando, em 93 (logo após o primeiro Abril Pro Rock), a diretoria da Sony anunciou que mandaria um representante ao Recife para contratar Chico Science... Fun! Fun! Zoeira Total! Diversão a qualquer custo, e a mais barulhenta possível! Esse havia sido o nosso lema quando, dois anos antes, sentindo o descompasso - o fundo do poço, o infarto iminente - resolvêramos tentar de tudo para detonar adrenalina no coração deprimido da cidade. Depois de vários shows e eventos muito bem sucedidos, e do manifesto "Caranguejos com Cérebro" ( que transformou, de uma hora para outra, centenas de arruaceiros inocentes em "mangueboys" militantes ), parecia que a cidade realmente começava a despertar do coma profundo em que esteve mergulhada desde o início da guerra dos 80.

Parêntese: não é exagero. Segundo os levantamentos mensais do DIEESE, Recife conseguiu manter sem muito esforço a impressionante e isolada posição de campeã nacional do desemprego e da inflação por nada menos que dez anos seguidos!!! Imaginem o efeito devastador que uma situação como essa pode provocar na alma de uma comunidade com mais de 400 anos de história e que só neste século havia gerado nomes da dimensão de Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Josué de Castro e João Cabral de Melo Neto. Para nós, que mal havíamos saído da adolescência só restavam duas saídas: tentar uma bolsa na Europa ou ganhar as ruas...

Então, a chegada da Sony representava uma espécie de prêmio coletivo. O significado simbólico era que finalmente podia estar se abrindo um canal de comunicação direta com o mercado mundial, como os caranguejos do asfalto haviam almejado em seu primeiro manifesto. Para todos os agentes e operadores culturais que viam seu talento e potencial atrofiados pela desmotivação, era o estímulo concreto que faltava. Afinal, queiram ou não, discos pop lançados por multinacionais movimentam várias áreas de expressão ao mesmo tempo: moda, fotografia, design, produção gráfica, vídeos, relações públicas, assessoria, imprensa, marketing, música, etc.

Daí em diante, pode-se dizer que teve início um efetivo "renascimento" recifense. Todo mundo gritou “mãos à obra!” e partiu para o ataque. As ruas viraram passarelas de estilistas independentes; bandas pipocaram em cada esquina; palcos foram improvisados em todos os bares; fitas demo e clipes novos eram lançados toda semana e assim por diante, gerando uma verdadeira cooperativa multimídia autônoma e explosiva, que não parava de crescer e mobilizar toda a cidade. De headbangers a mauricinhos, de punks a líderes comunitários, de surfistas a professores acadêmicos, ninguém ficou de fora. Para se ter uma idéia, a frase " computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro" ( Mundo Livre S/A ) virou tema de redação de vestibular de uma faculdade local.

IV - MANGUETOWN, 5 ANOS DEPOIS

O renascimento segue de vento em popa. A noite mais concorrida do último Abril Pro Rock foi a que reuniu três bandas locais. Mais de cinco mil pessoas pagaram ingresso e enfrentaram uma chuva intensa para aplaudir e cantar junto com Mundo Livre SA, Mestre Ambrósio e Chico Science e Nação Zumbi. O festival "Viva a Música", realizado em setembro passado, reuniu mais de 50 novas bandas. O disco de estréia da campeã, Dona Margarida Pereira e os Fulanos, está em fase de gravação. O programa Mangue Beat (Caetés FM 99.1) ocupa há dois anos os primeiros lugares de audiência, tocando fitas demo e lançamentos locais, além de novidades de todos os cantos do planeta. O "Manguetronic", um programa de rádio idealizado especialmente para a Internet, vem se firmando como um dos sites mais acessados do Universo on line. Os últimos cds do Chico Science e Nação Zumbi e do Mundo Livre SA e a estréia do Mestre Ambrósio figuraram na lista dos dez melhores do ano da revista Showbizz. Estão em fase de finalização os aguardados albuns de estréia das bandas Eddie e Devotos do Ódio. O Abril pro Rock 97 entrou pela primeira vez no calendário de eventos oficiais do Estado, ganhando assim uma ampla divulgação nacional e uma infra-estrutura mais organizada. A estréia em longa-metragem dos cineastas pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo Caldas - o filme "O Baile Perfumado", cuja trilha é assinada por Chico Science, Siba (do Mestre Ambrósio) e Zero Quatro - ganhou vários prêmios, entre eles o de melhor filme, no último Festival de Cinema de Brasília. O estilista Eduardo Ferreira já recebeu vários prêmios nas últimas edições do Phytoervas Fashion. O Mundo Livre S.A. acaba de fazer 4 shows e um clipe no México, devendo participar de vários festivais europeus no segundo semestre...

(Pausa para respirar)

Temos como objetivo imediato pressionar a Prefeitura do Recife para tirar do papel e colocar no ar a rádio Frei Caneca FM, uma emissora sem fins lucrativos cujo orçamento para 97, ao que parece, já foi aprovado pela Câmara Municipal. Afinal, o único e mais difícil obstáculo que ainda não superamos foi o das rádios comerciais. Sabemos que na Jamaica e em Salvador foi preciso o uso até de ações violentas para pressionar os disc - jóckeis. No estágio atual, não achamos que recursos sejam necessários. O Pop space não é invulnerável e a história está do nosso lado.

Quem acompanhou no Recife as últimas homenagens a Chico, sentiu a força de um compromisso coletivo. Hoje cada recifense tem no olhar um pouco de guerrilheiro da Frente Pop de Libertação. E o recado que queremos enviar para o mundo não é muito diferente daquele que nos mandam as comunidades indígenas de Chiapas - que têm no subcomandante Marcos o seu porta-voz. VIVA SANDINO! VIVA ZAPATA! VIVA ZUMBI! A utopia continua...

"- Quanto vale a vida de um homem, em quanto cada um avalia a sua própria vida, a troco de quê está disposto a mudá - la? Nós avaliamos muito alto o preço de nossas vidas. Valem um mundo melhor, nada menos. Homens e mulheres, dispostos a dar suas vidas, têm direito a pedir tanto quanto valem. Há os que avaliam suas vidas por uma quantidade de dinheiro, mas nós a avaliamos pelo mundo, esse é o custo do nosso sangue..." (Subcomandante Marcos)

Fred Zero Quatro, com a colaboração de Renato L.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Imprevisto

Hoje, uma figura singular que eu não conheço, entrou no meu blog e deixou um comentário que me surpreendeu, apesar de singelo. Muito bem, sei que muitos devem estar pensando, que venha a onipresente auto-ajuda... a questão não é essa, até porque os que me conhecem sabem que vejo com muitas ressalvas esse tipo de leitura, mas os fatos são inexoráveis. Uma garota entrou no meu blog para deixar uma mensagem bacana e ponto. Por incrível que pareça, para mim isso é inesperado, especialmente num mundo onde somos obrigados a ler textos que falham em autenticidade e sobram em pretensão, como os do Diogo Mainardi, que um ano ou mais atrás ousou falar de música sem razão nem paixão, ou seja, sem nada. Desede então, venho grilado e agora grito essas palavras mudas em desagravo (simbolista, talvez, mas em todo o caso...)

Pois é, o desqualificado do Diogo Mainardi, (des)articulista da Veja, afirma "A propalada musicalidade do brasileiro é um engodo", além de dizer inapropriadamente que "A música popular brasileira se resume a meia dúzia de sexagenários que continua a se arrastar pelos palcos, repetindo uma batida de quarenta anos atrás.". Realmente, há muito a dizer sobre esse engodo que é essa figura e ainda mais, muito mais, sobre a música desprezada por ele, pois Lenine, Los Hermanos, Chico Science, Seu Jorge, Cordel do Fogo Encantado, Monobloco, Andrea Marquee, etc., e os "não-citados" e "sexagenários" Caetano(por mais que eu não seja seu fã, sou obrigado a respeitá-lo), Chico Buarque, Paulinho da Viola, Gil, Luís Melodia, sem falar em gênios menos conhecidos como Moacir Santos, Flora Purim, J.T. Meireles, Egberto Gismonti, entre tantos outros inquestionável e orgulhosamente brasileiros, não podem sob pretexto ou forma alguma, a não ser a da liberdade de opinião, serem ignorados ou desconhecidos por quem se aventura a escrever sobre a riquíssima cultura brasileira, nesse caso a música.

Meu medo é pelos desavisados que num deslize comecem a repetir sem pensar as máximas mínimas deste cidadão, que aventa a si mesmo uma competência que não tem, nem para provocar ou polemizar como a do crítico José Ramos Tinhorão, do qual contesto respeitosamente muitas idéias, porque elas tem substância, o que falta ao Sr. Mainardi, que avesso as suas possibilidades é desinformado e amargo na análise de um universo que não conhece e pelo lido, não quer conhecer. O que desejar a ele então...

Caro Sr. Mainardi, compre uns bons discos de música brasileira, peça talvez instruções ao vendedor ou a um amigo mais esclarecido e divirta-se em casa ouvindo-os. Você vai mudar de ouvidos. São os votos de um ouvinte devotado, mas não passional, de música brasileira.

Estéfani Martins, ouvindo Tim Maia Racional Vol. II

O Blues e a dor

“O blues não é nada além de um bom homem se sentindo mal.”, o autor não importa, a dor sim. Todos temos dores suportáveis ou não, que um dia, doem mais forte, são mais intensas em cumprir sua vocação de nos marcar indelevelmente com um tipo de aço que o tempo não corrói. Algumas marcas superam-se no propósito ou no despropósito e marcam o tempo, mesmo o tempo, até o tempo..e é , bem que nasce o blues. É nessa cicatriz, quase relativa, que dizer “I’m blue” faz sentido, é quando ele vira cântico, vira coro, vira urro desesperado, pouco mais que mudo, mas urro. É assim que nasce o blues, o samba canção, o samba de cotovelo, o choro(o nome não diz tudo)...é nessa terra que nascem e apodrecem homens. É com esse canto, é com esse lamento que eles acordam, adormecem, morrem....e são lembrados como deuses de um Olimpo negro e reluzente, onde nãodonos, feitores, patrões... pedaços vivos de todos nós, persistentes na sua sina, às vezes cínica, de esperar...

Estéfani, ouvindo Negro Prison Blues, Rosie(recolhido pelo pesquisador Alan Lomax no início do século XX nos EUA)

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Programação Jambolada 2007

Caros amigos e amigas,

É com muito prazer que anuncio a programação do festival Jambolada 2007 de música independente. Olhem a ótima programação, assegurem o seu ingresso e curtam um som de qualidade e raro de se encontrar por essas bandas.
Além disso, Nação Zumbi fará apresentação de gala na madrugada de sábado: imperdível, imprescindível e indiscutível. Não percam, Nação é sempre uma experiência musical única e inesquecível. Cheguem perto e ouçam os tambores de uma tonelada, ouçam o maracatu antenado com o mundo, no compasso da modernidade, no compasso da tradição e que levou ambos a territórios nunca dantes navegados. Salve o saudoso Chico Science. Salve a Nação Zumbi.

"Pilotem suas próprias cabeças."

Forte abraço a todos

Estéfani, ouvindo Easy Star Allstars_The Dub Side Of The Moon - Dub Tribute To Pink Floyd

Programação completa do Festival Jambolada 2007

Ciclo de Debates Jambolada

14/09 Sexta-Feira

14:00_ Circuito Fora de Eixo: Circulação, Distribuição e Produção de conteúdo
palestrantes: Pablo Capilé (Instituto Cultural Espaço Cubo -MT)
Marcelo Domingues (Festival Demo Sul , Londrina-PR)
Mediador: Talles Lopes (Festival Jambolada)

16:00_ Música e comunicação independente nos Festivais
palestrantes: Israel do Vale( Rede Minas-MG)
Rodrigo Lariú (Festival Evidente,RJ)
Mediador: Alessandro Carvalho (Festival Jambolada)

Local: UFU - Bl. 3 E - Campus Santa Mônica
Entrada Gratuita

15/09 Sábado

14:00 _ Lançamento do Circuito Mineiro de Música Independente
Mediadora: Mariana Soldi (Festival Jambolada)

Shows Festival Jambolada 2007

14/09 Sexta-feira

local: Acrópole
abertura dos portões: 18h

19:00 - Vandaluz (MG)
19:45 - Ácidogroove (MG)
20: 30 - Proa (MG)
21:15 - Falcatrua (MG)
22:00 - Juanna Barbera (MG)
22:45 - Tom Zé
00:30 -Los Porongas (AC)
01:15 -Vanguart (MT)
02:00 -Porcas Borboletas (MG)
02:45 - Daniel Belleza & Os Corações em Fúria (SP)

15/09 Sábado

local: Acrópole
abertura dos portões: 18h

19:00 h – Um Bando e o Fim da Quadrilha (MG)
19:45 h - The Dead Lover's Twisted Heart (MG)
20:30 h - Super HI-FI (RJ)
21:15 h - Estrumental (MG)
22:00 h - Dead Smurfs (MG)
22:45 h – Mechanics (GO)
23:30 h – Supergalo (DF)
00:15 h - Superguidis (RS)
01:00 h - Antena Buriti (MG)
02:00 h - Nação Zumbi

16/09 Domingo

local: Arte na Praca Especial Jambolada_ Praça Sérgio Pacheco
Entrada Gratuita

12:00 h Gira Lua(MG)
13:00 h Duofel (SP)
14:00 h Makely Ka (MG)
15:00 h O Quarto das Cinzas (CE)
16:00 h Móveis Coloniais de Acaju (DF)

Adquira seu passaporte promocional antecipado até dia 13/09 para os dois dias de shows na Acropóle por R$ 10,00
Ingressos na portaria por dia de evento: R$ 14,00 (inteira) R$ 7,00 (meia)

Pontos de vendas:


Zagaia Tatuagens, Piercing
Av: João Pinheiro, 231
fone: 3235-5663

Açaí da Terra
Av. Liberdade, 285
Fone: 3214-5080

Disk ingresso: 3291-3291

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Ópio


Alívio
. E ainda mais um pouco de calmaria por dentro, equivalente à quantidade de sundae de chocolate que derretia na boca - a mesma boca que acabara de anunciar contra a vontade: ' melhoro se falar menos contigo'. Melhora nada. Piora e ela sabe disso. O sorvete agia como ópio gelado, amenizando, ao menos naquele instante, a dor de uma saudade que não esfria nunca.

Monica Ramalho

http://fotograficamente.zip.net/index.html

Micro-contos ou micro-poemas?

Annita Costa Malufe

Uma coleção de pequenas frases engraçadinhas. É um pouco com esta impressão que fecho o livro Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século, organizado pelo escritor recifense, residente em São Paulo, Marcelino Freire. Lembro-me que, quando o livro saiu (há quase um ano), chamou-me atenção nas prateleiras das livrarias, como um pequeno e bonito livro-objeto ideal paradar de presente”: a edição da Ateliê Editorial é impecável, com uma capa dura vermelha e de um tamanho que cabe na palma da mão. O conteúdo, também algo adequado para uma lembrancinha despretensiosa: mini-contos que são mais piadinhas curtas, rápidas “sacadas” de poucas linhas.

O livro parte de uma idéia interessante: convidar cem escritores brasileiros para escreverem um “conto” com apenas 50 letras. Parte, ainda, de um genial micro-conto, de Augusto Monterroso, com o qual Marcelino abre a edição: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Gostaria de ressaltar o fato de que este, que seria o mais famoso micro-conto do mundo”, é citado por Ítalo Calvino em seu “Seis Propostas para o Próximo Milênio, no capítulo em que ele fala sobre a importância da “rapidez” na literatura. Vale retomar o trecho todo de Calvino: “Borges e Bioy Casares organizaram uma antologia de Histórias breves e extraordinárias. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de uma só frase, ou se uma linha apenas, se possível. Mas até agora não encontrei nenhuma que supere a do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: ‘Cuando despertó, el dinosaurio todavia estaba allí’”.

Acredito que, embora não tenha citado, Marcelino Freire conheça o texto de Calvino e tenha tido a feliz idéia de realizar o desejo expresso pelo escritor italiano. Entretanto, vale retomar a fala de Calvino e acrescentar que, na coletânea de que trato aqui, este micro-conto, parece-me, segue insuperável. Muitos dos textos enviados pelos escritores brasileiros restringem-se ao mero jogo de palavras, ao trocadilho, ou a simples tiradas pretensamente humorísticas. E a grande maioria parece derivada do poema-piada que tanto se proliferou nos anos 70, especialmente com a dita poesia marginal, e que ali, naquele contexto, já aparecia mais bem resolvido em diversos poetas.

Basta pescar ao acaso poemas de alguns representantes desta geração que começou a escrever nos anos 60/70, e que participaram da agitação cultural destes tempos, para encontrar exemplares ideais do conceito de mini-conto que perdura no livro – e com menos de 50 letras! Um poema de Cacaso, de Beijo na Boca (1975) como (título em caixa alta): “‘SINA’/ o amor que não dá certo sempre está por perto”; ou: “‘ORGULHO’/ decresça e/ apareça”. Ou de Paulo Leminski: “– que tudo se foda,/ disse ela,/ e se fodeu toda” (de La Vie em Close). Ou mesmo de Francisco Alvim – ótimos exemplos curtíssimos como: “‘VISITA’/ Não bateram na porta/ Arrombaram” (de Lago, Montanha). E ainda: “‘MAS’/ é limpinha”; ou: “‘ÓRFÃO’/ Sou./ De muitos pais, de/ muitas mães” (de Elefante).

Enfim, poemas bastante precisos, que poderiam ser tidos como “micro-contos”, e que parecem conter mais poder de síntese, concisão, mais humor e mesmo mais “ação”, no sentido dramático, do que muitos dos contos do livro. Julio Cortázar, talvez um dos maiores contistas já surgidos entre nós latino-americanos, refletindo sobre a arte do conto, coloca-a ao lado da fotografia: o conto, como a foto, recorta um fragmento bem preciso e delimitado da realidade e, no entanto, deve fazer com que este fragmento tenha o poder de oferecer uma espécie de explosão que transcenda, rompa os limites da câmera, do texto. Diz ele [no ensaio “Alguns aspectos do conto”]: “(...) o fotógrafo ou o contista se vêem obrigados a escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não apenas tenham um valor em si mesmos, mas que sejam capazes de funcionar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura (...)”. Abertura esta que leva a nossa sensibilidade e inteligência para além do episódio narrado literariamente.

Este é um bom modo de olhar para um conto, ainda mais quando se trata de contos extremamente curtos, em que esta habilidade de delimitação e abertura é de fato posta à prova. Opto por falar aqui dos micro-contos do livro que, ao meu ver, cumpriram muito bem a proposta contida na historieta do dinossauro de Monterroso e se mostraram como soluções felizes. Soluções estas que, de certa forma, apontam para a explosão e a abertura às quais Cortázar se refere.

É o que encontramos na densidade do aparentemente inocente texto de Luiz Ruffato: “‘ASSIM’: Ele jurou amor eterno./ E me encheu de filhos./ E sumiu por .”. Ou na ironia de Dalton Trevisan, que se insere em toda uma tradição de personagens da nossa literatura, de Machado, passando por Nelson Rodrigues e pelo próprio Dalton: “– no caixão.../ – Sim, paizinho./ – ...não deixe essa me beijar.” Em ambos, uma critica social que passa pelo olhar e a vida do povo brasileiro, que encontramos de modo tão semelhante em Chico Alvim. E que podemos ver também no descontraído: “‘CRIAÇÃO’/ No sétimo dia, Deus descansou./ Quando acordou, era tarde.”, de Tatiana Blum.

ainda o humor desconcertante de: “‘QUEM’/ Sim, doutor, eu estou louco./ Mas quem é esse/ que diz eu estou louco?” (Sérgio Sant’Anna) – micro-história que encarna o próprio problema da não-identidade do louco, mas também a identidade de quem fala: se eu não tenho eu, quem é o eu que isto enuncia? E há o humor quase trágico de: “‘ADEUS’/ Então disse:/ – Viver era isso?/ E fechou lentamente os olhos.” (Miguel Sanches Neto); e de: “‘MAS O RIO CONTINUA LINDO’/ Pensa o desempregado/ ao pular do Corcovado.” (Antonio Torres). Humor um tantotragicômicoque podemos encontrar em diversos outros textos, quase como uma prevalência do tom escolhido pelos autores convidados.

De certo modo, este também é o tom usado por Millôr Fernandes. No entanto, como o título não entrava na conta das 50 letras, Millôr aproveitou, e escreveu o que talvez seja um dos mais interessantes textos da coletânea: “‘EMOCIONANTE RELATO DO ENCONTRO DE TEODORO RAMIREZ, COMANDANTE DE UM NAVIO MISTO, DE CARGA, PASSAGEIROS E PESCA, DO CARIBE, NO MOMENTO EM QUE DESCOBRIU QUE A BELA TURISTA INGLESA ERA, NA VERDADE, UMA PERIGOSA TERRORISTA CUBANA, QUE TENTAVA PENETRAR NUM PORTO DO SUL DA FLÓRIDA, PARA DINAMITAR A ALFÂNDEGA LOCAL, E PROCUROU FORÇÁ-LA A FAVORES SEXUAIS’/ – Capitão, tem que me estuprar em 1/2 minuto; às 8, seu navio explode”. Brincadeira divertida, que inverte a proposta do livro, e que, por contraste com os outros textos, acaba sendo ainda mais engraçada.

Termino esta pequena resenha ressaltando a importância de livros que apresentem um gênero híbrido, que contribua para borrar as fronteiras dos gêneros literários tradicionais, como é o caso destes Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. Os micro-contos aqui apresentados são contos ou poemas? Claro que não cabe responder. Vale deixar ecoando mais um trecho de Cortázar, para quem o conto é um gênero de dificílima definição, gênero enfimtão secreto e dobrado sobre si mesmo, caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em outra dimensão do tempo literário”.

http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=108

domingo, 2 de setembro de 2007

Máfia

Entre homens da antiga nossa casa, há uma lealdade que não se vê entre mocinhos de hoje.

Estéfani Martins, ouvindo Gotan Project, Lunático