domingo, 23 de abril de 2017

Nada

No nada
Tudo encontramos
Menos 
Os fiapos do tecido velho e corriqueiro de que somos feitos.

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sábado, 22 de abril de 2017

Guerra

Guerra mesmo é quando a paz
torna-se uma utopia voraz.

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Com o passar dos anos


Quando a velhice em mim chegar
Quero ser o que sonhei na juventude
Sonhando o que serei na juventude que virá.

E o que sou hoje lá não serei mais
Enquanto estarei deixando de ser
Aquilo que deixei e que fui, atrás.

Dos meus amores, quero as cartas
E as doces lembranças dos beijos
E dos pecados que não vivemos.

Quando a velhice chegar, não quero sofrer
Pelos amores que não vivi por covardia
Ou pêlos que tive quando não os queria.

Ah, quando a velhice chegar
Quero dizer aos meus amigos:
- Fomos mais do que pensávamos.

E se não formos ainda assim direi:
- Sonhamos muito mais que fomos
E vivemos muito mais, porque sonhamos.

Serei doce pelas palavras e lembranças
Forte pelas duras batalhas vencidas
E ditoso pela bem cumprida jornada.

E ainda assim se eu nada dizer, ao morrer
E nada mais de mim restar quero apenas que

Digam que eu era alguém que sonhava.

(Lígia Prado - amiga, mestra e referência para a vida toda. Lígia é uma das pessoas mais importantes na minha existência. Suas palavras, seus versos, suas ironias, sua generosidade e suas inconfudíveis risadas ecoam em mim - sempre e intensamente.)

Um dia

Um dia
Um dia desses
Um dia futuro
Arrumo coragem
Reúno tudo que tenho e que tive
De coragem e ousadia
Se for preciso, roubo, compro, peço emprestado para não mais devolver.

Um dia 
Um dia daqueles
Um dia quente
Faço o impensável
Não serei compreendido nem pelos mais próximos
Serei um pária na multidão
Serei tão invisível ou mais do que a moça da limpeza

Que moça?

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Vingança

Como um grito revolucionário, dia desses, ainda explodo de raiva e coloco o disco "A love supreme" do Coltrane para meus vizinhos ouvirem no mais alto e bom som em todos os aparelhos de som que existirem na minha casa. Causará revolta o meu ato terrorista-cultural, mas isso não é nada comparado ao tormento feito de onomatopeias, melodias cansadas e clichês que eles me obrigam a ouvir. Dia desses...me vingo. Certeza suprema.

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Revés

Era uma festa a vida daquele homem meio oblíquo, meio líquido. Festa era a ocasião em que ele fazia-se homem entre desumanidades, entre paradoxos. Até que veio aquele revés, até que veio aquele mal menor, aquela corrosão, aquela erosão tímida e rouca a que Leminski chamava poética e apropriadamente de mentir verdades.

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Ontem

Não lembro de nada
Nada mesmo
Tudo que vivi ontem ficou
Oco
Ontem
Onde?

Sem gostos
Sem rostos
Sem outros

Naquela manhã hermética
Parecia
Haver um dia em que lembranças são cenários de um circo mambembe
Desmontáveis
Incineráveis
451 é um número que me vinha sempre a mente naquele manhã
Três números, três indagações, três rastros para nenhuma ocasião

Fora de casa
Pensei que um passeio numa manhã de fim de semana
Começo de outro nada
Seria bom, seria memorável
Mas enre minhas altas baixas filosofias
Meu existencialismo de padaria
Constatei, estupefato
Iluminado pelo sol meio besta, meio manso da manhã
Que ontem tinha ido dormir muito cedo
Antes do Jornal que já não mais assistia
Tinha sido uma semana daquelas.

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