segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Seis razões sobre o porquê não gosto de praia e uma sobre o motivo de sempre ir

“E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.” 
(Albert Camus)

Sei o quanto é paradoxal, mas fazemos tanto o que odiamos em nosso cotidiano, que pensei ser coerente continuar a odiar algo, ainda que no período de férias. Sei também que parece estranho alguém não gostar de praia, mas o fato é que eu detesto. Eis as minhas razões:

1 - normalmente as padarias são horríveis, ao menos não tive o prazer de ir a alguma que tivesse esse templo civilizatório que é a padaria, as boas padarias, em tempo. Parece mais uma das minhas estranhices, mas sempre desconfio de cidades ou locais que não tenham boas padarias, que não tenham bares para se beber uma boa cerveja sozinho com um livro e que tenham muitas farmácias. Acho sempre lugares que merecem a nossa desconfiança. Muitos devem pensar que talvez não haja cidades para meu exotismo no Brasil, mas consigo me virar bem em várias, ainda que BH tenha um lugar especial no meu peito. De toda forma, essencial mesmo são as duas primeiras condições, a terceira...bem, justifica-se pelo "slogan": "Coisas melhores para uma vida melhor através da química.".

2 - as pessoas tendem a relaxar e aproveitar silenciosamente o fato de estarem na praia, invejo um pouco essa competência, acho até monástica. Ficar com os pés na areia, aproveitando a brisa, cultivando o ócio ancestral, enfim... Infelizmente, não consigo. Já tentei, mas ficar sem fazer nada é terminantemente difícil para mim, gosto mesmo é de internet rápida, livros, computadores, supermercados bons, padarias civilizatórias, livrarias infinitas, quem sabe mesmo uma fumacinha de carros e um cinza concreto façam bem a minha mente. Talvez. Mas ócio praiano é definitivamente impossível para mim.

3 - irrita-me muito também a frequente impossibilidade de ler jornal de forma honestamente tranquila com rajadas de vento inesperadas que fazem a sessão de cultura sempre voar para longe e a de política ficar engordurada porque caiu na porção de uns camarões meio desconfiados. No final, muitos desses voos parecem proféticos, quase visões de um oráculo, mas a bem da verdade só quero mesmo é ler o jornal.

4 - a comida quase sempre de gosto e confecção duvidosas. Saliento que sempre o chamamento da fome fala mais alto que minhas exigências culinárias, mas como sempre meio contrariado. Talvez sejam as praias que vou com a família, algo entre as praias da massa e as de uma classe média esforçada. Penso que deve haver opções melhores, mas ainda distantes do bolso contido de professor. As cervejas também incomodam, sei que é uma chatice, mas num mundo em que Skol e Brahma reinam, Heineken é uma minoria perseguida e cervejas artesanais são forças estranhas, é difícil ser feliz.

5 - a música, a música, como esquecer... Ainda que reconheça a validade cultural do mais que se escuta na maioria das praias do Brasil, não é o que gosto de ouvir. O máximo que já tive a oportunidade de ouvir foi algo entre Jack Johnson e Bob Marley, que em um mundo repleto de Cláudias, Psiricos, Arrochas, Anitas, etc., parece um bálsamo, mas não é o bastante. 

6 - incomoda também a insistente cobrança para que você goste de praia, para que tenha um sorriso pendurado no rosto sempre, para que você fique no sol ou pegue uma corzinha quando já a tenho, para que você faça castelos de areia com os filhos quando eu prefiro fazê-los com Lego, entre outras cobranças que fazem dos melancólicos, mal humorados e afins seres estranhos a esses espaços de alegria salgada, ensolarada, arenosa e algo gratuita.

7 - entretanto, apesar de tudo listado acima, vou com frequência à praia, porque minha família, minha esposa e minhas filhas gostam por demais e como as amo mais do que odeio praia, submeto-me. Vejo isso como o meu ramadã, o meu jejum anual. Expiação dos pecados. Oportunidade de sublimar os erros. Tempo de praia.

Para Clarice, Isadora e Camila, por Estéfani Martins.

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