sexta-feira, 29 de julho de 2016

Cozinhando o galo do pop - Volume II

“Pilotem suas próprias cabeças.” 
(Jorge Du Peixe)

De difícil definição, muitos diriam; trabalho árduo, para outros. Praga inominável, para os mais radicais ou sensatos. O pop é a princípio um desdobramento de uma cultura associada à ideia de que a arte serve mais ao entretenimento e à socialização do indivíduo do que ao desenvolvimento de sensibilidades e raciocínios estéticos, culturais e intelectuais. Eis a vala comum em que todos nós estamos metidos de alguma forma, mesmo que, inocentemente, imaginemos estar acima disso.
Isso ocorre muito em razão de que, de alguma forma, precisamos nos socializar e, para tanto, fazemos concessões em reuniões públicas, por exemplo, impulsionados pela conveniência de não parecer diferente, ou seja, de parecer quanto mais comum e integrado for possível, sem que sejamos necessariamente confundidos com o povo de verdade, com a periferia, com os excluídos, com os malditos; isso seria inaceitável, porque mesmo o politicamente correto tem limite, isto é, a aparência. Sentimento incômodo, até hipócrita, mas honesto nas suas intenções, que são, resumo da ópera, fingir. O pop faz isso com todos em alguma medida, até porque nem sempre se pode dizer que o pop vulgariza ou mesmo populariza a arte, ou ainda mais, que a arte chamada pop nunca tem qualidade.
O maior fenômeno pop que se tem notícia provou que as convenções e conceitos pouco dialéticos não são nada para avaliar fenômenos culturais, que são em essência, transitórios; os Beatles, eu não poderia ser mais previsível, mas os fab four são um simulacro do que chamamos de pop, são o paradoxo máximo da indústria cultural do século XX; inspirados e populares, requintados e econômicos, inovadores e tradicionais, são os deuses primeiros e originais do pop.
Quando a ideia do que é ou não pop vem à tona em alguma discussão de botequim, são muitos os fãs de bandas, artistas, pintores que se indignam ao ver os seus ídolos serem reduzidos a essa "rastejante categoria de humanoides produtores da chamada cultura pop". Para muitos, soa como ofensa, inclusive por causa da ideia reducionista e tacanha de que, se uma manifestação artística torna-se popular, devemos logo desconfiar da qualidade, da legitimidade e da honestidade dela. Há aqueles ainda que afirmam gostar de algo, porque poucos gostam, essa é uma praga que toma parte daquela tribo urbana intitulada de indie, por exemplo, que parece eleger suas preferências pela ótica não da apreciação estética, mas pelo culto acéfalo ao que de certa forma sofreu um revés de popularidade num passado remotamente próximo foram os Strokes, por causa do sucesso alcançado graças à MTV, os garotos cuidadosamente descabelados de ar blasé foram duramente golpeados por seus “fãs”, que logo debandaram para novidades mais "virgens" e hypes, como o Artic Monkeys.
Noutro ponto da discussão, estão expressões como o axé baiano de “Batom na Cueca” até “Daniela Mercury”; a música “sertaneja” urbana de “Zezé di Camargo e Luciano” a “Jorge e Mateus”, o pagode de “Só pra contrariar” a “Thiaguinho”; as quais se enquadram no que se pode talvez chamar de música para consumo ou uma vertente ou viés do que se pode chamar de pop, são, não raro, os segmentos da indústria cultural que mais sofrem com a pirataria, já que, na condição de fenômenos passageiros, à custa de sucessos moldados pelas FMs e pela televisão fechada, são obrigados a produzirem em escala fabril sucessos para um público ávido por novidades, tão passageiras ou mais que as modas que vem e vão de acordo com as estações do ano. Eis a equação que movia o mercado informal de CDs ou downloads, somada, é claro, à carência crônica de recursos da maior parte da população brasileira, ou seja, música que é para ser passageira não merece, segundo a inteligência sempre prática daqueles que pouco dinheiro têm, embalagem e material de qualidade, ou mesmo excelência técnica na reprodução das músicas dos grandes ídolos populares, já que o importante mesmo são os refrões fáceis, a melodia para assobiar e a temática homogenizante.
Além do mais, os aparelhos de som comprados nas Casas Bahia ou nos nossos irmãos do Mercosul não t^êm geralmente qualidade sonora o bastante para reproduzir o esmero dos produtores pobremente materializado nos CDs ainda vendidos nas principais ruas e avenidas da maioria das cidades do país, se não todas(coisa do passado) ou as MP3s baixadas legal ou ilegalmente aos bilhões por intermédio da internet.  Essa é uma faceta inequívoca, frequentemente ilegal, mas não imoral, da democratização da informação, tão prometida pelos ideólogos do Iluminismo, depois do Cientificismo, e agora realizada por meios ilegais, até criminosos, entretanto fiéis, porque não devotados, às mais altas intenções daqueles que defendem a democratização radical de informações para a massa, mesmo que, como querem muitos, de baixa extração artística, repetitiva e despretensiosa.
Além de tudo isso, há a ressaca de uma elite com uma dificuldade crescente de ditar o que os mais humildes podem ou não acessar, aliás, agora se vendo reprodutora das referências pop da periferia, como são os casos do Rap, nos EUA; do Funk Carioca e do Pop Sertanejo e, por que não, no passado, do Samba no Brasil. Eis um paradoxo quase poético da humanidade, a carência fez uma escola que o excesso copiou.
A música pop, portanto, é - antes das teorizações da academia ou de cronistas em posições confortáveis - múltipla, paradoxal e opressivamente popular, o que, em última instância, para além dos puristas, expressão legítima de tudo o que a população de um dado país tem de multifacetada, sofrível, previsível, bela e subversiva.

VS

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